O holocausto brasileiro: O hospital Colônia em Minas Gerais

em 26/07/2013


Olá amigos e amigas. Vocês já devem ter se habituado a ler aqui no blog Noite Sinistra, textos falando de algum assassino ou serial killer terrível. Outras vezes vocês já acompanharam matérias que falavam de massacres étnicos e batalhas sangrentas em guerras. No texto de hoje abordaremos o que provavelmente é o maior massacre cometido em terras brasileiras, onde o descaso e a indiferença causaram a morte de cerca de 60 mil pessoas ao longo de 50 anos.

Os amigos e amigas podem conferir essa matéria de duas formas diferentes, via texto ou assistindo ao vídeo (no final dessa matéria) que eu fiz sobre o assunto.


O Holocausto brasileiro

Palco de uma das maiores atrocidades contra a humanidade no Brasil, o hospício conhecido como Colônia, em Barbacena (MG), violou, matou e mutilou dezenas de milhares de internos. Acredita-se que de 1930 até 1980 cerca de 60 mil pessoas morreram dentro dos murros do hospital Colônia.

O que era antes um sanatório particular para tratamento de tuberculose passou a ser o primeiro hospital psiquiátrico de Minas, dando assistência para pessoas com todo tipo de problema psiquiátrico.

Com o passar dos anos, o tratamento dispensado aos pacientes passou a ser desumano e degradante, atingindo elevadas taxas de mortalidade. O hospital Colônia tornou-se depósito de doentes e marginalizados, minorias. Alcoólatras, homossexuais, prostitutas, epiléticos, tímidos e até meninas que engravidavam antes do casamento eram mandadas para lá. Aproximados 70% dos pacientes não tinham doença mental alguma. Inevitavelmente, Barbacena ganhou o título de “Cidade dos Loucos”.

Os internos perdiam suas roupas e até o seu próprio nome. Viviam nus, comiam ratos, bebiam água do esgoto, dormiam ao relento e às vezes amontoados. Nas noites geladas, eram cobertos por trapos. Morriam pelo frio, pela fome ou por doença, que, na maioria das vezes, eram adquiridas pelos maus tratos. Em alguns períodos, chegou-se a registrar uma média de 16 óbitos ao dia.

A instituição tornou-se entreposto de comércio de cadáveres, sendo os corpos vendidos para faculdades de medicina. Quando não havia interessados na compra, os defuntos eram banhados em ácido no pátio, diante dos outros internos.

Até o ano de 1980 cerca de 1853 corpos foram vendidos para 17 faculdades diferentes, sem contar as diversas "peças anatômicas" como fígados e corações, sem contar os esqueletos negociados. Acredita-se que esse comércio movimentou um montante de 600 mil reais.


O Hospital Colônia

Criado pelo governo estadual, em 1903, para oferecer "assistência aos alienados de Minas", até então atendidos nos porões da Santa Casa, o Hospital Colônia tinha, inicialmente, capacidade para 200 leitos, mas atingiu a marca de cinco mil pacientes em 1961, tornando-se endereço de um massacre. A instituição, transformada em um dos maiores hospícios do país, começou a inchar na década de 30, mas foi durante a ditadura militar que os conceitos médicos simplesmente desapareceram. Como já foi mencionado anteriormente, para lá eram enviados desafetos políticos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive, doentes mentais.

Sem qualquer critério para internação, os deserdados sociais chegavam a Barbacena de trem, vindos de vários cantos do país. Eles abarrotavam os vagões de carga de maneira idêntica aos judeus levados, durante a Segunda Guerra, para os campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia. Os considerados loucos desembarcavam nos fundos do hospital, onde o guarda-freios desconectava o último vagão, que ficou conhecido como "trem de doido". A expressão, incorporada ao vocabulário dos mineiros, hoje define algo positivo, mas, na época, marcava o início de uma viagem sem volta ao inferno. Wellerson Durães de Alkmim, 59 anos, membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise, jamais esqueceu o primeiro dia em que pisou no hospital em 1975.

"Eu era estudante do Hospital de Neuropsiquiatria Infantil, em Belo Horizonte, quando fui fazer uma visita à Colônia 'Zoológica' de Barbacena. Tinha 23 anos e foi um grande choque encontrar, no meio daquelas pessoas, uma menina de 12 anos atendida no Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Ela estava lá numa cela, e o que me separava dela não eram somente grades. O frio daquele maio cortava sua pele sem agasalho. A metáfora que tenho sobre aquele dia é daqueles ônibus escolares que foram fazer uma visita ao zoológico, só que não era tão divertido, e nem a gente era tão criança assim. Fiquei muito impactado e, na volta, chorei diante do que vi."

O esgoto era a fonte de água dos Internos

Entrar na Colônia era a decretação de uma sentença de morte. Sem remédios, comida, roupas e infraestrutura, os pacientes definhavam. Ficavam nus e descalços na maior parte do tempo. No local onde haviam guardas no lugar de enfermeiros, o sentido de dignidade era desconhecido. Os internos defecavam em público e se alimentavam das próprias fezes. Faziam do esgoto que cortava os pavilhões a principal fonte de água. "Muitas das doenças eram causadas por vermes das fezes que eles comiam. A coisa era muito pior do que parece. Cheguei a ver alimentos sendo jogados em cochos, e os doidos avançando para comer, como animais. Visitei o campo de Auschwitz e não vi diferença. O que acontece lá é a desumanidade, a crueldade planejada. No hospício, tira-se o caráter humano de uma pessoa, e ela deixa de ser gente. Havia um total desinteresse pela sorte. Basta dizer que os eletrochoques eram dados indiscriminadamente. Às vezes, a energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga. Muitos morriam, outros sofriam fraturas graves", revela o psiquiatra e escritor Ronaldo Simões Coelho, 80 anos, que trabalhou na Colônia no início da década de 60 como secretário geral da recém-criada Fundação Estadual de Assistência Psiquiátrica, substituída, em 77, pela Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig). A Fhemig continua responsável pela instituição, reformulada a partir de 1980 e, recentemente, transformada em hospital regional. Hoje, o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB) atende um universo de 50 cidades e uma população estimada em 700 mil pessoas.


Capim como cama

Os pacientes da Colônia, em sua maioria, dormiam no "leito único", denominação para o capim seco espalhado sobre o chão de cimento, que substituía as camas. O modelo chegou a ser oficialmente sugerido para outros hospitais "para suprir a falta de espaço nos quartos."

Em meio a ratos, insetos e dejetos, até 300 pessoas por pavilhão deitavam sobre a forragem vegetal. "O frio de Barbacena era um agravante, os internos dormiam em cima uns dos outros, e os debaixo morriam. De manhã, tiravam-se os cadáveres", contou o psiquiatra Jairo Toledo, diretor do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB).

Marlene Laureano, 56 anos, funcionária do CHPB desde os 20, era uma espécie de faz-tudo. "Todas as manhãs, eu tirava o capim e colocava para secar. Também dava banho nos pacientes, mas não havia roupas para vestirem. Tinha um pavilhão com 300 pessoas para alimentar, mas só tinha o suficiente para 30. Imagine! Só permaneci aqui, porque tinha a certeza de que um dia tudo isso ia melhorar, sei que Deus existe."



A descoberta

Como dito anteriormente a situação do hospital Colônia se agravou durante o período da ditadura militar, época em que pouquíssimas pessoas se opunham as vontades e desvontades do governo militar. Assim fica fácil identificar porque tantos maus tratos aconteceram sem que ninguém denunciasse as atrocidades. Afinal a quem denunciar?

No ano de 1961 imagens registradas pelo fotógrafo Luiz Alfredo, então correspondente do jornal "O Cruzeiro", foram incluídas em um livro intitulado "Colônia". As imagens foram fruto de uma investigação de 30 dias, e registraram a rotina dentro do campo de concentração brasileiro. Porém o livro foi publicado apenas no ano de 2008.

O assunto voltou a mídia recentemente graças ao lançamento do livro: “Holocausto Brasileiro: Vida, Genocídio e 60 Mil Mortes no Maior Hospício do Brasil”, dá jornalista investigativa Daniela Arbex.

O objetivo do livro é fazer com que os brasileiros fiquem cientes do que aconteceu na época. Sem nenhuma forma de censura, mostra exatamente a classificação de “indesejado social”, estigma criado pelos governantes e pela população.

Condenação dos culpados

Lá já se vão mais de 50 anos desde que as fotografias de Luiz Alfredo foram registradas, e desde lá ninguém foi punido pelo o que aconteceu em Barbacena, a exemplo de tantos outros crimes cometidos na época do regime militar. Em qualquer outro país do mundo antigos crimes são investigados, mas não no Brasil, aqui parece que é melhor esquecer a dor que essas antigas feridas já causaram, e deixar os responsáveis por tais atos livre e impunes. A impunidade no Brasil é uma doença muito antiga por sinal. E o melhor de tudo é que a instituição continua funcionando, abrigando 190 pacientes sob a guarda do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena (CHPB).

Abaixo podemos conferir algumas das imagens registradas por Luiz Alfredo:










Crianças muitas vezes eram internadas juntos com as mães



21 comentários:

  1. Ótima postagem,mas triste por ser no Brasil :/,mas enfim pelo menos mostra uma história que poucos conhecem.

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    1. Entristece ainda mais porque ninguém foi punido pelo que aconteceu a essas tantas pessoas que perderam a vida ou que sofreram enquanto internadas nesse macabro hospital...

      Valeu pela participação manolo...

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    2. Não duvido, contudo, não devemos acreditar em tudo que vemos por ai. todo fato tem três verdades. quase dois mil corpos por seiscentos mil? dois reais por corpo? pensem....

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    3. 600 mil hoje em dia " não vale nada” , mas naquela epoca era uma fortuna ,em 1994 quando foi implantado o real pra se te ideia o salario era em torno de R$ 90

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    4. Isso que o Silvio escreveu é bem verdade...mas tem mais uma coisa!!!

      Amigo anônimo, vc mesmo disse, quase 2 mil corpo por 600 mil certo? Isso daria mesmo dois reais por corpo? Vamos pensar...600 mil = 600000 certo? 2 mil = 2000 certo? então:

      600000/2000=300, podem conferir nas suas calculadoras...

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    5. Fugiu da escola hahahahahahahahaha

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  2. UM VERDADEIRO ABATEDOURO HUMANO...

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  3. Caraca !!! Nunca tinha ouvido falar , excelente post manolo !!!

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  4. Que triste e revoltante...

    Excelente postagem!

    Abrax

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  5. Me pergunto as vezes quanta podridão ainda espera para ser desenterrada nesse país...Sabemos tão pouco!!!

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  6. Minha cidade, hoje em dia fizeram de lá " O Museu da Loucura", tentando passar a imagem que os pacientes foram muito bem cuidados, mas só de entrar lá da uma sensação horrivel

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  7. Neste lugar não foram só pessoas com uma certa "deficiência" que foram deixadas. Moças que perderam a virgindade sem antes casar-se era levada pelo pai, mulheres que se renunciasse querendo uma parte da herança que o pai estava dando aos seu filhos homens também eram levadas, rapazes que desrespeitassem seus pais era amarrados e deixado la, entre muitos outras pequenas coisas... E as pessoas que faziam isso não foram punidas porque isso ocorreu a um certo tempo atrás, onde não existia leis rígidas (apesar que hoje quase nada mudou)!!! mas com certeza isso foi e é um horror para o nosso país..
    Ass: Andressa Dick (Juara - MT)

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    1. Exatamente Andressa...muitas pessoas enviadas para esse local, e outros tantos locais do tipo que existiram no nosso país, não mereciam estar lá. Na verdade ninguém merecia estar em um lugar como esse hospital psiquiátrico. Muitas pessoas que a "sociedade" considerava como perigosas ou que envergonhavam o grupo dominante eram mandadas para o Hospital Colônia para saírem de circulação...

      É triste, mas infelizmente real!!!

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  8. Na verdade, em outras palavras, foi um verdadeiro campo de concentração Nazista. Foram milhares de mortos que passaram por dias de tortura sentindo frio, fome, com doenças, passando por verdadeiros maus tratos dentro de uma colônia e mesmo assim ninguém foi punido por esse genocídio.
    Perderam a vida mais de 60 mil pessoas no hospital (colônia). Milhares de corpos vendidos para faculdades diferentes de medicina até o inicio dos anos 80, um comercio que incluía esqueletos além de peças anatômicas. 70% dos internados não sofriam de doença mental. Sem critério para internação os “deserdados sociais” chegavam a Barbacena vindo de vários lugares do Brasil. Os “loucos” iam para uma viajem ao “verdadeiro inferno” . Sim! Inferno, exemplo era como eram tratados na colônia. Os pacientes internados dormiam no único leito que ao invés de ter cama era capim.
    Entrar na colônia era decretação da própria morte. Mais ou menos 300 pessoas por pavilhão em meio aos maus tratos e ao caos. 300 pessoas para comer e a comida era só para 30. Pensando na nossa atualidade isso não foge dos nossos dias de hoje e os problemas encontrados na sociedade. É lamentável que tenhamos vivido isto, quanta dor e sofrimento. Olhos fechados às condições desumanas lembra a escravidão.
    Eram enviados a essa colônia homossexuais, mães solteiras, mendigos, alcoólatras, pessoas sem documento e outros. Refletindo nos dias de hoje vejo que o preconceito e a desumanidade ainda existem em todos os lugares e em todo tempo, só mudou a forma de se “tratar” essas pessoas que antes eram isoladas. Sim, o homem subjuga o homem...

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  9. Lendo o livro me veio à pergunta: “como pode uma sociedade ser capaz de atos tão miseráveis e covardes”? O abandono e o descaso são muito assustadores e é triste saber que o poder publico estava envolvido e que realmente existiu na historia brasileira. Oficiais de justiça que deviam “cuidar”, Zelar a proteção das pessoas, enviavam muitas pessoas para a colônia mesmo sem motivos, mesmo sem razões. E os médicos em vez de cuidar da saúde que é direito a todos, mandavam seus pacientes para “morte”. É desesperador saber que não foi tomada nenhuma medida antes da morte de milhares de pessoas. Ignorância da população, pois estava sendo marginalizada pelos poderes públicos por décadas sem vez, sem voz. O livro acaba cicatrizando uma ferida que não é sua, mas de todos. Difícil não se comover com a leitura do livro e com a leitura dos depoimentos, com cada historia. A primeira reação da leitura que eu tive foi pensar porque ninguém na época fez nada, exatamente uma pagina negra na historia do Brasil.
    Outro ponto que destaco do livro é a maneira forçada de internação, só uma indicação e a pessoa já era internada, ou em outras palavras um encarceramento. O livro Holocautos mostrou uma das piores facetas humanas.

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    1. Imagino que o livro deva conter muitas outras imagens, dados muito mais completos a respeito desse assunto...eu ainda pretendo comprar ele...mas primeiro preciso terminar de ler os últimos que comprei...rsrs

      Grato pelo seu relato Paola...

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  10. Olá, me Chamo Vanessa, gostei do comentário da Paola Oliveira,pois também li o livro Holocausto Brasileiro.O livro tem a capacidade de introduzir o leitor na história, transformando-o nem que por um instante em um interno.Muito descaso dos parentes, funcionários e autoridades....uma parte da história que me abalou, foi do descaso de um pai por seu filho que sofre de hidrocefalia, realmente me doeu na alma, pois tenho um filho que sofre de autismo, e nem poderia imaginar como uma mãe autorizava a ida de um filho para o inferno que era aquele "hospital psiquiátrico"vale a pena ler o livro.

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  11. Olá, me Chamo Vanessa, gostei do comentário da Paola Oliveira,pois também li o livro Holocausto Brasileiro.O livro tem a capacidade de introduzir o leitor na história, transformando-o nem que por um instante em um interno.Muito descaso dos parentes, funcionários e autoridades....uma parte da história que me abalou, foi do descaso de um pai por seu filho que sofre de hidrocefalia, realmente me doeu na alma, pois tenho um filho que sofre de autismo, e nem poderia imaginar como uma mãe autorizava a ida de um filho para o inferno que era aquele "hospital psiquiátrico"vale a pena ler o livro.

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  12. Moro em Barbacena cidade onde fica o hospital ha dezenas de relatos de gritos gemidos e ata aparissoes neste lugar entrei la uma unica vez para nunca mais

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    1. Imagino que realmente as histórias contadas pelas pessoas que vivenciaram esse tormento deve ser algo impressionante e impactante. Esse foi um dos casos mais graves de descaso ocorrido no Brasil.

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