O massacre dos Muckers e as assombrações do morro Ferrabraz

em 01/10/2013


Saudações amigos e amigas...Assim como nas últimas terças feiras, hoje é dia de abrirmos espaço no blog Noite Sinistra para as "Lendas e histórias brasileiras". Hoje voltamos a contar com a participação do leitor Flavio Augusto Freitas, de Porto Alegre (o Flavio já havia participado indicando A lenda da Salamanca do Jarau). O assunto proposto pelo amigo Flavio envolve um dos capítulos mais controversos e sangrentos da história do Rio Grande do Sul, e relaciona esse evento com um caso de alegadas assombrações. Venha conhecer um pouco da história de um conflito religioso que acabou em massacre e que ainda hoje gera discussões no Rio Grande do Sul.

A revolta dos Muckers

A chamada Revolta dos Mucker foi um conflito regional que aconteceu, ao final do século XIX, em São Leopoldo (atual Sapiranga), na então Província do Rio Grande do Sul, no Brasil. Os muckers foram um grupo de imigrantes alemães envolvidos em um movimento messiânico liderado por Jacobina Mentz Maurer e seu marido, João Maurer. A expressão mucker, em alemão, significa falso santo em tradução ao português.

Na época do conflito dos Mucker, Sapiranga chamava-se localidade do "Padre Eterno". Quase não se falava português na região, sendo o idioma corrente o chamado baixo-alemão ou Plattdeutsch, sendo também muito difundido o dialeto da província alemã do Hunsrück.

Um pequeno núcleo, formado por comerciantes e "pré-industriais" do calçado formava a classe economicamente dominante no município. O campesinato, dedicado à policultura, inicialmente de subsistência, formava, nos tempos primevos da formação da cidade - bem como de toda região - a massa dos imigrantes. Sua vida era duríssima, como mesmo narram os antigos moradores da região. As promessas do Império Brasileiro, particularmente da corte de Dom Pedro II, não tinham sido cumpridas. Os colonos haviam sido jogados - pelo menos este era seu ponto de vista - numa terra inóspita; nenhuma ajuda do governo lhes foi dada. Ademais, o desbravamento do Vale do Sinos teve que ser feito a ferro e fogo pelos colonos, como narra Josué Guimarães em seu famoso romance.

Por outro lado, havia um forte sentimento de "traição" entre a massa dos colonos em relação particularmente àqueles que prosperaram economicamente. Uma parcela importante dos primeiros imigrantes alemães, que chegaram ao Brasil em 1824, instalando-se em São Leopoldo e depois na capital, Porto Alegre, acabaram formando uma "elite" teuto-brasileira. Era uma comunidade que produzia até uma imprensa própria, em idioma alemão, que formou intelectuais do gabarito de Carlos von Koseritz, o qual escreveu vários artigos sobre a guerra no Deutsche Zeitung.

A "elite" sapiranguense - se é que pode dizer que havia uma "elite" no Padre Eterno - era ligada às igrejas históricas, basicamente metade católica-romana, e a outra parte protestante, pertencente ao que vem a ser hoje a IECLB, Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil. É do caldo de conflitos entre os camponeses pobres e empobrecidos e as elites que nascem as condições da explosão do movimento dos "Mucker".

Messianismo

A jovem Jacobina, desde criança entrava em momentos de transe e conseguia diagnosticar doenças, apresentava-se como a própria encarnação de Cristo, prometendo estabelecer a Cidade de Deus.


De acordo com um artigo escrito por Marinês Andrea Kunz e Roswithia Weber, à Revista Brasileira de História & Ciências Sociais no ano de 2012, a família de Jacobina tivera problemas de ordem religiosa na Alemanha, pois, adepta do grupo pietista da Igreja Luterana, não se conformava com as novas orientações 
da instituição, quanto à linha adotada, e acusava-a de desviar-se dos ensinamentos bíblicos. Libório Mentz, avô de Jacobina, coordenou o grupo descontente, que se mudou para o povoado de Tambach, onde fundaram nova igreja e não permitiam que seus filhos frequentassem a escola. Nesse período, o patriarca e a família emigraram para o Brasil.

Em Novo Hamburgo, ele construiu uma igreja e organizou um coral, participando, assim, ativamente das atividades religiosas da comunidade, sem envolver-se em novos conflitos.

O pai de Jacobina, André Mentz, faleceu quando ela tinha nove anos, deixando a mãe com oito filhos. De sua família, somente o irmão Francisco não foi adepto dos mucker. Quando criança, Jacobina chegou 
a frequentar aulas por um ou dois anos, sendo alfabetizada de forma rudimentar em alemão. A língua portuguesa, no entanto, ela não falava nem entendia.

Jacobina casou-se com João Jorge Maurer, em 26 de abril de 1866, em Novo Hamburgo. O noivo, filho de imigrantes alemães, nascera no Brasil.


Após viverem um ano em casa da mãe de Jacobina, mudaram-se para Sapiranga, junto ao morro Ferrabraz, onde Maurer havia comprado um lote de terras. Ele trabalhava como agriculto r e como marceneiro, para sustentar a família. O casal teve seis filhos, sendo que a última nasceu em maio de 1874, ou seja, próximo ao último combate, que ocorreu em dois de agosto, ocasião em que a criança morreu.


João Jorge conheceu o curandeiro Buchhorn, do qual aprendeu o ofício. A partir daí, em 1868, passa a atender os doentes em sua própria casa. Em 1872, ele já era conhecido na região, de modo que recebia clientes até de Pelotas, Rio Grande e Porto Alegre. Com ervas, preparava remédios que eram comprados pelos doentes, os quais pagavam em dinheiro, em mantimentos ou em produtos agrícolas, conforme suas condições financeiras.

Inicialmente Jacobina apenas ajudava ao marido no tratamento dos doente, algumas vezes ela lia trechos da Bíblia para os enfermos como forma de conforto. Jacobina também sofria com constantes demais e até sonambulismo, o que levou muitas pessoas a pensarem que ela teria algum poder sobrenatural de vidência. Com o passar do tempo começaram a ser realizadas seções na casa de Jacobina e João, onde a bíblia era lida e interpretada livremente.


A partir de 1866, o movimento começou a ganhar força e a organizar-se. Seguindo princípios morais muito restritos, rapidamente este grupo entrou em conflito com o resto da comunidade. Os Mucker, assim designados pelos seus opositores que os acusavam de falsidade, entraram em choque aberto com os spotters, ou debochados, quando decidiram retirar as suas crianças das escolas comunitárias. Os atritos levaram à prisão dos líderes do movimento pela polícia local e uma libertação logo a seguir, a pedido do presidente da Província do Rio Grande do Sul.

Nesse conflito haviam basicamente 3 grupos envolvido, os Muckers, a parte da sociedade relacionada a igreja católica local e o grupo relacionado a igreja luterana local. Tanto padre como pastor uniram forças, e em seus sermões negavam a legitimidade do grupo de Jacobina e João Maurer, atribuindo a eles características malditas. É obvio que isso inflamou os ânimos e o Muckers não ficaram calados perante tais agressões.

Os Mucker, cada vez mais crentes no carácter messiânico de Jacobina, passaram a atacar aqueles que se opunham ao movimento: incendiaram a casa de Martinho Kassel, dissidente do movimento, levando à morte da sua esposa e filhos; pelo mesmo meio, mataram os filhos de Carlos Brenner, comerciante; e executaram, por fim, um tio de João Maurer, que se opunha abertamente ao movimento.

Repressão

Acirrados pela profecia de que quem acreditasse em Jacobina seria imune à morte, os Mucker entram em confronto com forças policiais, deficientemente comandadas pelo coronel Genuíno Olimpio Sampaio, a 28 de Junho de 1874. A crença dos revoltosos ficou ainda mais acesa perante a derrota que infligiram aos militares: 39 baixas, contra 6 entre os Mucker.

A 18 de Julho, o mesmo coronel cercou a casa onde o grupo religioso se mantinha, matando dezesseis Mucker que aceitaram a sua sorte, esperando a sua breve ressurreição. Jacobina conseguiu, contudo, fugir com alguns seguidores, um dos quais alvejou Genuíno Sampaio, que faleceu no dia seguinte em consequência da hemorragia.

Houve outro ataque, inconclusivo, a 21 de Julho. A 2 de Agosto, Carlos Luppa, um dissidente Mucker traiu o grupo, levando os soldados até ao morro Ferrabraz onde Jacobina se escondia com o restante de seus seguidores. Assim que foram descobertos, foram chacinados.

Sobreviveram alguns Mucker que tiveram de aguentar a perseguição da justiça por oito anos e, depois, a mal-querença do resto da população. Alguns estiveram, posteriormente, envolvidos na Guerra dos Canudos.

As supostas assombrações no morro Ferrabraz

O local onde grande parte do grupo liderado por Jacobina e João Maurer, tiveram sua violenta morte, nos dias atuais é tido com assombrado. Muitas pessoas relatam que a noite é possível ouvir sons de gritos e choro de crianças vindos do morro Ferrabraz. Alguns relatos mais exaltados chegam a afirmar que até sons de armas sendo disparadas podem ser ouvidos. Estranhos vultos também já puderam ser vistos nesse local de história tão antiga e trágica.


A herança desse evento

Como pudemos ver no texto acima nem todos os integrantes desse movimento foram mortos. Alguns deles mudaram de região e iniciaram vida nova em outro lugar. Alguns desses antigos membros se mudaram para uma cidade bem próxima de onde eu moro atualmente, eu que é minha cidade natal assim como a cidade natal de minha mãe. Nesse lugar o assunto é visto como um grande tabu, e ninguém gosta muito de falar em tal assunto.

Os Muckers no vale do Taquari

Passados 24 anos depois do assassinato da líder do movimento, um grupo de seguidores que havia se refugiado no interior da cidade de Marques de Souza era dizimado. Passado mais de um século, descendentes dos muckers relembram o fato que, por muito tempo, foi mantido como tabu. Na divisa entre Marques de Souza e o município de Travesseiro, separados pelo rio Forqueta, em um cemitério abandonado ainda restam três sepulturas de integrantes da seita. Um deles é o de Jakob Fucks – o Jacó das Mulas –, que havia fugido para a região juntamente com João Jorge Maurer, Pedro Arend, João Daniel, Henrique e Jacó Noé, Nicolau Fuchs e Daniel Arend.


Depois da morte de Jacobina, alguns sobreviventes do massacre no Morro Ferrabraz mudaram-se para outras localidades onde, anos depois, foram trucidados pela comunidade local. Entre esses, estão os que haviam se refugiado na localidade de Picada May, hoje pertencente ao município de Marques de Souza. Nesse distrito, a 26 de dezembro de 1897, foi encontrada morta em casa a mulher do colono Albino Schroeder. Houve boato de que os muckers teriam cometido o crime. O subdelegado interrogou os acusados e, como não encontrou provas, eles retornaram para casa. No dia 3 de janeiro de 1898, um grupo de colonos linchou os suspeitos, entre os quais Jacó Gräbin e seus filhos Jacó e Adão, Filipe Noé e Luiz Künzel. Era o fim dos muckers. Uma semana depois, eles foram sepultados em vala comum próximo ao rio Forqueta. Anos mais tarde, Schroeder, no leito de morte, confessou que assassinara a esposa e inocentou os muckers.

Túmulo de Jakob Fucks

Abaixo poderemos conferir algumas imagens do Caminho de Jacobina, uma espécie de trilha pelo passado.








Obelisco em homenagem a quatro colonos mortos em combate contra o grupo de Jacobina
Túmulo de Jacobina
Abaixo podemos conferir uma imagem de divulgação do filme "A paixão de Jacobina". Filme que conta, de forma muito romantizada, a história que pudemos conferir na postagem acima.

25 comentários:

  1. Aplaudindo de pé a postagem , note dez!!!

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    1. Vamos que vamos desenterrando "causos" das entranhas desse Brasil gigante.

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  2. bah amigo.esse post ficou fantastico.e vc conseguiu mesmo as fotos do cemiterio.show.abç;

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    1. Essas fotos eu consegui on line mesmo...mas eu queria ter ido até o cemitério, mas eu não encontrei o local. Entrei em contato com várias pessoas que conheço na cidade de Marques de Souza, mas não deu para localizar...Mas quem sabe uma hora eu não acabo descobrindo a localização e acabo criando uma postagem complementar com fotos do local...

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    2. se vc conseguir vai ficar muito legal.

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    3. ola pessoal,o cemitério fica em Sapiranga-RS,eu moro aqui onde aconteceu toda essa tragédia,na cidade ainda vivem descendentes dos colonos contrários a seita,seu Ardi Huckentopler ele tem uma livraria no centro,ele conta vários acontecimentos que seus pais contaram pra ele!!! O cemitério fica na av. Major Bento Alves esquina com rua Carijós,é bem próximo a RS 239. Caso seja do seu interesse,posso te ajudar a encontrar o local e a entrevistar o seu Ardi!

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    4. Que baita documento. Vi um pedaço do filme e quis saber a historia

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  3. Ótima publicação Nando,uma história fantástica,só acho que esses fatos da história poderiam ser mais divulgados,afinal fazem parte da história de um estado brasileiro e mostra e muito as diferenças e intolerância de uma época.

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    1. Essa é uma questão um tanto complicada...eu não dou muita ênfase no texto acima, mas a treta começou mesmo, quando a igreja católica local e a igreja luterana local se sentiram ameaçadas pelo culto dos "Muckers". Portanto houveram muitos interesses envolvidos...hj em dia falar sobre esse assunto ainda é meio que tabu entre os mais velhos...talvez por isso que não se fale muito sobre essa revolta.

      Grande abraço Marciela...

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    1. Muito agradecido manolo...vc conhecia essa história da sua época de RS?

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  5. Sapiranga, minha terra natal e atual, realmente uma historia muito bem narrada. parabens pelo post.

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    1. Muito obrigado manolo...fico muito feliz que tenha gostado...abraços...

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  6. Pena que não haja um filme bom sobre essa história. Esse aí de cima é uma porcaria!

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    1. Foi feito um filme na década de 80...um filme independente a respeito desse assunto...mas ele é bem amador...e ainda por cima as falas são em alemão...rsrsrsr

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  7. Encontrei o livro por acaso na casa de praia de minha mãe, li metade e esqueci de trazê-lo comigo, um ano depois retornei, ávida para saber o final do livro. Com certeza emocionante. Agora procurando sobre o assunto na net adorei ver fotos da época.

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    1. Essa é uma das histórias mais controversas do Rio grande do Sul...afinal muito do que sabemos sobre essa revolta nos foi passado pelas antigas gerações, uma vez que raramente o assunto é abordado em escolas. E essas informações que recebemos dos mais velhos são cheias de achismos e impressões pessoais...afinal antigamente ou vc era a favor ou contra o grupo de Jacobina...

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    2. Uma descendente, realmente comprovada, de Jacobina era (ou ainda é) professora de história na cidade de Estância Velha. Se não me falha a memória o nome dela é Cristiane Noé (assim mesmo, aportuguesado o sobrenome). Eu a encontrei lá pelo meios dos anos 90, ela era um pouco mais velha que eu na época (hj eu tenho 42) e ela estava trabalhando na recuperação de antigas casas em estilo enxaimel daquela cidade. Depois, nunca mais voltei lá nem nunca mais ouvi falar da professora Cristiane. Talvez ela viva ainda em Estância Velha.

      Sou de São Leopoldo e vivi quando criança no que foi a zona rural da cidade (hj é tudo urbano). Quando as crianças faziam alguma travessura os adultos diziam que a "bruxa" Jacobina iria nos pegar. A gente morria de medo. Apesar de São Leopoldo já ser uma cidade grande quando eu era criança, vivíamos isolados naquela comunidade, bem afastada do Centro e às margens do rio dos Sinos. Naquela época poucas pessoas moravam lá, a maior parte de descendentes de alemães luteranos ou famílias "mistas" como a minha (alemã e açoriana). Lembro que havia uma família enorme de italianos, oriundos da cidade de General Câmara, uma família de tchecos e outra de poloneses (católicos) e até uma espécie de quilombo negro, com casebres em linha reta dentro do mato fechado, com eucaliptos gigantescos e uma barreira intransponível de maricás espinhentos, e em que todos eram parentes entre si. Tudo isso se perdeu hj em dia. Nem árvores existem mais lá.... Se tornou um local de habitações populares e um lugar muito feio.

      Faz quinze anos que moro em Porto Alegre e apenas esporadicamente vou a São Leopoldo, visitar minha família que hj vive na vila Scharlau, acho que a cidade perdeu completamente sua alma.

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    3. Bastou digitar o nome dela no Google :) Cristiane Noé é a atual secretária municipal de Cultura de Estância Velha. http://www.estanciavelha.rs.gov.br/secretariasedepartamentos

      Caso ela não tenha mudado muito nestes anos, é uma pessoa acessível que fala abertamente e com conhecimento de causa sobre os Muckers

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  8. Gente.... essa história é bem tensa! Não sei não, acho que essa Jacobina tinha pacto com lucy kkkkk #ótimo_Post!!!! :D

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  9. Parabéns, adorei esse post!!! Fiquei surpreso ao ler, pois tenho o mesmo sobrenome do Curandeiro..

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    1. Será que consigo mais informações sobre ele?

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  10. Muito bom o post. Sou fascinado por esta história. Parabéns!

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  11. Parabéns pelo post, bastante esclarecedor. Moro em Marques de Souza, cresci ouvindo os relatos de meu avô sobre os Muckers, porém jamais soube da história toda, apenas dos confrontos em si. Um ótimo exemplo de como as vezes não conhecemos a história que nos rodeia, mais perto do que imaginamos.

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