José Augusto do Amaral: Serial Killer ou inocente?

em 27/02/2015


Saudações amigos e amigas. Hoje voltamos a falar de uma serial killer brasileiro - José Augusto do Amaral. Conhecido popularmente como "Preto Amaral", ele é considerado como sendo o primeiro serial killer brasileiro. Em 2012 foi realizado um julgamento simulado onde foi analisado o caso de Amaral de acordo a perspectiva atual. De acordo com esse julgamento Amaral teria sido inocente das acusações. Confira abaixo as duas versões para essa história.

Amaral era filho de escravos do Congo e Moçambique. Quando estava com 17 anos se beneficiou da Lei Áurea e tornou-se livre. Logo depois, sem muita opção de trabalho (algo comum a muitos negros alforriados), acabou por se alistar ao exército e serviu em diversas cidades Brasileiras, e até na Guerra de Canudos. Deserdou por diversas vezes em batalhões que serviu, seja no exército, ou na guarda policial, e por fim acabou preso, por isso ele passou alguns meses na cadeia.

No ano de 1926, quando já estava com 55 anos e tinha uma vida de andarilho e vivia de sub-empregos (bicos), cometeu o seu suposto primeiro crime. Foi acusado de estrangular e sodomizar um rapaz de 27 anos. O corpo foi encontrado nas imediações do Aeroporto Campo de Marte. Em alguns dos seus crimes ele cometia o ato de necrofilia. Depois desse, supostamente cometeu mais outros dois crimes semelhantes, e ainda uma tentativa estrangulamento e atentado violento ao pudor - o rapaz que ele tentara esta investida conseguiu escapar da morte porque o Amaral teria se assustado e o fugido. Apos escapar do ataque a vítima foi imediatamente até a delegacia denunciá-lo.

Logo depois disso ele foi preso e torturado pela polícia. Dessa forma ele acabou confessando os seus supostos crimes. Algumas fontes afirmam que Amaral confessou os crimes por causa da tortura, e levantam o questionamento de que talvez ele nem fosse o verdadeiro culpado, sendo apenas um bode expiatório. Outro indício que segundo essas teorias que apontam Amaral como inocente, é de que mesmo depois de presos, ataques desse tipo continuaram a acontecer.

Nessa época Amaral já era famoso em São Paulo antes mesmo da sua prisão, os jornais da época estampavam notícias sobre um assassino em série na cidade e o mesmo já tinha as alcunhas na mídia local de "O mostro Negro" e "O Diabo Preto".

Depois de preso foi examinado por um psiquiatra que numa das consultas ouviu uma história que ele contou sobre o tamanho exagerado de seu pênis, e que sempre teve dificuldades de se relacionar com uma mulher, porque, segundo ele, nenhuma delas queria ter relações sexuais devido ao exagero do tamanho do seu membro.

Ele também contou que passou por uma "macumba" quando menino e que depois disso o seu pênis não parou mais de crescer. Na época isso acabou gerando uma correlação entre o tamanho do seu pênis ao tamanho de sua brutalidade (comum pensamento da população sobre os tarados na época).

Alguns crimes semelhantes aos cometidos por Amaral continuaram a acontecer, mesmo com o Preto Amaral preso, e com isso ele acabou virando uma lenda, pois a população da época chegou a acreditar que Preto Amaral possuísse poderes sobrenaturais. A população revoltada queria o seu linchamento, mas o Preto Amaral faleceu antes mesmo de ser julgado, cinco meses depois de ser preso no ano de 1927. Amaral morreu de tuberculose em 12 de julho de 1927, na Cadeia Pública.

Apesar de nunca ter sido julgado, ele é considerado o primeiro serial killer brasileiro e hoje sua história faz parte do Museu do Crime em São Paulo.

Chegou até mesmo a ser realizada uma montagem teatral chamada “Os crimes do Preto Amaral” para contar a história do suposto serial killer.

Crimes

Dia 13 de fevereiro de 1926. O menino “Rocco”, pequeno engraxate de 9 anos, trabalhava nas imediações da praça da Concórdia, próximo ao Teatro Colombo, no Brás. Cansado, estava pronto para ir embora. A garoa fina que caia espantava os fregueses naquela tarde cinzenta de São Paulo. As poucas pessoas que passavam pela rua estavam apressadas, tentando escapar da chuva.

Um homem alto, negro, aproximou-se de “Rocco”, pedindo que o ajudasse a carregar uma caixa com roupas, serviço pelo qual ele pagaria $4000,00 (quatro mil réis). O menino, excitado com a oportunidade de ganhar um dinheiro extra, aceitou depressa. Seguiu-o da Avenida Celso Garcia até a ponte sobre o rio Tamanduateí, próximo à estação da Cantareira. Ao entrarem pela rua João Theodoro, “Rocco” viu-se desprotegido pela pouca luz. A rua estava sem iluminação. Antes que pudesse ficar com medo e sem nenhum aviso, o homem atacou o menino diretamente no pescoço, tentando estrangulá-lo. O garoto lutou muito, mas, sem conseguir respirar, desmaiou. Julgando-o morto, o estranho arrastou-o para debaixo da ponte, rasgou suas roupas e preparou-se para violentá-lo, quando num golpe de sorte, um carro aproximou-se e estacionou. Receoso de ser flagrado, o estranho largou “Rocco” e fugiu. O menino acordou um tempo depois, gemendo sem parar. Com muito esforço, machucado e enlameado, chegou até a rua. Duas moças que passavam por ali viram o menino e chamaram imediatamente um policial.

O motorista de táxi Basílio Patti estava saindo para trabalhar quando foi parado pelo grupo, ao atravessar a ponte da Rua João Theodoro. O policial pediu a Patti que levasse “Rocco” até a casa dos pais.

Aturdida com a história contada pelo filho, a família não deu queixa a polícia.

O criminoso tinha certeza de ter matado o menino. Depois de vagar a noite inteira pelo centro da cidade, voltou ao local no dia seguinte para dar vazão aos seus desejos sexuais. Surpreso, não achou cadáver algum.

Dia 5 de dezembro de 1926. Sob as árvores da Avenida Tiradentes, sentado em um banco Antônio Sanchez descansava. Tinha vindo de Barra Bonita, interior de São Paulo, para trabalhar na capital. Antônio era franzino, doente e um pouco afeminado. Aparentava ter bem menos idade do que seus 27 anos. Morava em um apartamento alugado na Lapa, mas não sabia como iria arcar com as despesas. Estava morrendo de fome e não tinha conseguido ganhar dinheiro algum.

Um homem desconhecido, negro e alto, sentou-se ao seu lado. Os dois começaram a conversar. Sanchez vendo que ele fumava, pediu-lhe um cigarro, comentando sobre a miséria em que se encontrava. Não tinha nem como pagar comida e sentia muita fome. Amaral, dando uma de bom samaritano, chamou o rapaz para almoçar com ele no Botequim do Cunha, que ficava em uma esquina da rua Teodoro Sampaio. O convite foi aceito por Sanchez num piscar de olhos.

Depois de ver o rapaz almoçar com o prazer de quem aplaca a dor da fome, Amaral convidou-o para ir com ele até o Campo de Marte para ajudá-lo a fazer um serviço. Seria bem pago. Antônio sentiu-se finalmente com sorte. Além de comer, acabava de arrumar um trabalho que ainda lhe renderia uns trocados. Confiando no novo “amigo”, seguiu-o.

Ao chegarem ao Campo de Marte, seguindo por um caminho que Amaral parecia conhecer bem, começou o ataque. Estavam em um lugar ermo, atrás de um bambual. Antônio reagiu sem acreditar no que acontecia.

Os golpes de Amaral vinham sem trégua, e o rapaz tentava, em desespero, escapar. Mas o homem era bem mais forte que ele. Depois de uma luta desigual, Antônio Sanchez foi estrangulado. Ao ver o moço desfalecido, abaixou-se para ouvir se seu coração ainda batia. A lembrança do menino fujão de tempos atrás permanecia em sua memória. Com a certeza de que o rapaz não dava sinais de vida, violentou-o e fugiu em seguida. Para ele, não fazia diferença o fato de fazer sexo com Antônio já morto.

Véspera de Natal de 1926. José Felippe de Carvalho, 12 anos, morava no Alto do Pari e conhecia bem os locais por onde perambulava. Às 16 horas, brincava com seu estilingue caçando passarinhos pela redondeza. Mais tarde, pediu permissão a mãe para ir a missa de Natal da Igreja de Santo Antônio. Ela regozijada com a religiosidade do filho, permitiu.

Chovia em São Paulo. Caminhando pelas proximidades do Canindé, José Felippe avistou um homem vendendo balões de gás. Fascinado, o menino aproximou-se e pediu um. O homem deu-lhe de presente e puxou conversa. Perguntou onde ele morava e o que fazia ali sozinho, e não deixou de reparar que o garoto tinha no bolso um estilingue. Alguns minutos depois, o balão de gás de José Felippe estourou. Amuado, pediu que o homem lhe desse mais um. O simpático sujeito satisfez-lhe a vontade e, continuando a conversa, comentou que em uma mata perto dali havia um local com muitos passarinhos. Se o garota quisesse acompanhá-lo, poderia mostrar-lhe o local.

O menino, feliz da vida, concordou. Amaral, seguido por ele, foi até o Campo de Marte. Da mesma maneira que fez com Sanchez, atacou José Felippe, cometeu o homicídio e, em seguida, deu vazão a seus desejos sexuais.

A mãe do menino ficou desesperada quando o filho único não voltou para casa. Saiu pelas ruas, de igreja em igreja, procurando-o freneticamente. Quando sua triste busca em nada resultou, deu queixa em uma delegacia do Brás pelo desaparecimento.

Como no caso de Sanchez, o corpo da vítima não foi localizado. José Felippe só seria reconhecido dias depois pelas roupas que vestia, quando sua mãe tomou conhecimento por meio de jornais que a polícia havia encontrado cadáveres de meninos sem identificação.

Ano-Novo de 1927. Antônio Lemes, 15 anos, estava de folga do trabalho. Era operário em uma fábrica de tecidos. Saiu de casa pedindo à mãe que guardasse seu almoço. Lemes disse que chegaria mais tarde, pois ia fazer um serviço extra para uma senhora no bairro da Penha.

Amaral, aproveitando o feriado, apostava dinheiro nos jogos de azar que se davam nas proximidades do Mercado Central. Logo avistou Lemes entre outras crianças que brincavam por ali. Levantou-se e convidou o garoto para almoçar com ele no restaurante Meio-Dia, como fazia habitualmente. O rapaz aceitou.

Comeram, beberam vinho, e Amaral ofereceu $2000,00 (dois mil réis) a ele para que o acompanhasse até a Penha. Como Antônio conhecia bem o bairro e tinha mesmo que fazer um serviço ali, concordou de bom grado.

Os dois seguiram para o largo do Mercado, onde tomaram o bonde. No ponto final da linha, seguiram a pé pela estrada de São Miguel. De vez em quando paravam em bares pelo caminho, para que Amaral tomasse uns tragos.

Na altura do quilômetro 39, Amaral pegou um atalho da estrada recém-construída. Quando se afastaram o suficiente, enlaçou fortemente o rapaz com o braço esquerdo, esganando-o com a mão direita. Antônio, pego de surpresa, não resistiu. Apenas empalideceu e desmaiou. Sem querer arriscar, Amaral enrolou um cinto de brim branco, de 85 centímetros de comprimento no pescoço de sua vítima e apertou-o com força máxima. Depois jogou-o no chão, tirou-lhe a calça, rasgou-lhe a camisa e fez sexo com o cadáver. Depois fugiu.


Dessa vez, o assassino não teria a mesma sorte. O corpo de Antônio Lemes foi encontrado no dia seguinte.

Prisão do "Preto Amaral"

Quando começarem as investigações na área do Mercado, perto de onde o rapaz morava, alguém disse tê-lo visto na companhia de um homem negro. A polícia, sem perder tempo, começou a investigar todos os homens negros com antecedentes de pederastia, uma vez que Lemes havia sido sodomizado. Os jornais também noticiaram o crime com alarde.

A primeira testemunha a comparecer à delegacia, Roque Siqueira, havia lido as notícias sobre o crime nos jornais e informou ter visto, no primeiro dia do ano, um sujeito negro convidando um menino para almoçar com ele. Almoçaram no mesmo restaurante em que Siqueira estava. Ele viu o adulto pagando algum dinheiro ao garoto. A testemunha disse à polícia que o sujeito era conhecido nas imediações do Mercado como um vagabundo que vivia da exploração do jogo de cartas naquela redondeza.

Os investigadores, acompanhados de Siqueira, saíram a procura do suspeito. Não demorou muito para que o encontrassem.

José Augusto do Amaral foi preso pelo assassinato de Antônio Lemes, mas não demorou a confessar seus crimes anteriores. Segundo ele, os atos de pederastia eram praticados somente após a certeza da morte da vítima, como se esse argumento atenuasse a sua culpa. As declarações do “Preto Amaral” foram feitas com naturalidade e sem a menor demonstração de emoção, segundo os relatos dos policiais e jornais da época.

Organizaram-se então diligências para pesquisar o Campo de Marte, onde o criminoso alegou ter deixado os outros corpos. Sem hesitar, Amaral guiou os investigadores até um local próximo a um bambual, onde foi encontrada uma ossada humana. Mais adiante, sob a ramagem de uma pequena moita ressequida, jazia o cadáver de outro menino.

A polícia estava pronta para processar Amaral e colocá-lo na cadeia pelo resto da vida, mas outra confirmação ainda surgiria: O Sr. Carmine, pai do engraxate ‘Rocco”, procurou a polícia e contou o que acontecera com seu filho no ano anterior. O menino foi trazido ao gabinete do delegado, onde reconheceu “Preto Amaral” como seu agressor.

Outro que compareceu à delegacia foi Antonio Manoel Neves Filho, 16 anos, que quase caiu na armadilha do mesmo assassino. Ele foi abordado na rua Voluntários da Pátria e seguiu Amaral até Ponte Grande. Por sorte, quando estava no meio do matagal, conseguiu fugir. Também reconheceu “Preto Amaral” como seu agressor.

Mais uma vítima se apresentou, Manoel Antonio Neves, 13 anos. Neves contou ter sido convidado por um negro de nariz recurvo para acompanhá-lo até a Estação da Cantareira, com a finalidade de ajudar a trazer um embrulho para o Campo de Marte, onde estavam. Pelo serviço, receberia $1000,00 (mil réis). Depois de alguns minutos na companhia do homem, Manoel achou que alguma coisa estava errada e resolveu fugir. Ele também reconheceu formalmente José Augusto do Amaral como o homem que o “contratou”.

A polícia não conseguiu comprovar a culpa de Amaral no desaparecimento de outras crianças ocorridos na mesma época:
  • Antonio Ramalho Filho, 16 anos, desapareceu em 23/12/1926.
  • Luis Bicudo, 15 anos, encanador, desapareceu em 25/12/1926.
  • Sarkis Delclarei, 14 anos, desapareceu em 27/12/1926.
  • Vicente Scagelli, 17 anos, desapareceu em 27/12/1926.
  • Luis Hirah, 15 anos, telegrafista, desapareceu em 31/12/1926.

Fotos do acervo da perícia
Segundo a versão da polícia na época confirmadas todas as declarações de homicídio do suspeito, que dizia estar se sentindo melhor depois de sua confissão, mas ele não reconheceu ter abordado as vítimas vivas que o reconheceram na delegacia.

Segundo o “Preto Amaral”, suas noites estavam sendo atormentadas pelos fantasmas das pessoas para as quais fez algum mal. Esperava, com a admissão de seus crimes, viver em paz.

Enquanto estava preso, à espera de julgamento, “Preto Amaral” foi submetido a exames físicos e psiquiátricos. Os médicos concluíram que se tratava de criminoso sádico, necrófilo e pederasta, sendo a criança seu objeto especial. Tinha habilidade de praticar seus crimes sem ser descoberto e, se não fosse sua confissão, dificilmente os restos mortais de suas vítimas seriam encontrados.

No exame físico, foi constatado que seu órgão genital tinha um tamanho descomunal. Segundo Amaral, uma “mulher da vida” jamais o atendia duas vezes. Ele atribuía esse fato a uma simpatia que fez quando adolescente. Aconselhado por amigos, teria marcado numa bananeira o tamanho desejado para seu pênis, com dois traços riscados a faca. Passado algum tempo, ao perceber que seu pênis se desenvolvia sem parar, correu até a árvore para modificar o traçado, mas já era tarde. Ela crescera demais e a distância entre os traços também. Desesperado, Amaral derrubou-a a machadadas na tentativa de interromper o processo, mas, segundo ele, o “encanto” permaneceu.

Na face anterior do braço esquerdo tinha tatuado desde os 14 anos, as iniciais do nome de sua mãe, Francisca Cláudia.

Era analfabeto, ma inteligente, tocava instrumentos musicais de ouvido e tinha excelente memória. Era ferreiro e cozinheiro. Morou em Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia, Ceará, Amazonas, Pará, Bolívia, Argentina, Uruguai, Rio Grande do Sul e, finalmente, São Paulo.

Alegava ter alucinações depois de ter cometido seu primeiro crime. Jamais mostrou algum sinal de arrependimento sobre seus atos. Não se sabe se matou meninos nos locais onde morou antes de chegar a São Paulo.

Amaral não refletia sobre suas ações; era completamente impulsivo em relação a elas. Não percebia nada de anormal em seu comportamento.

Juri simulado absolve Amaral 85 anos depois

Em um julgamento simbólico realizado 85 anos após acusações de crimes que chocaram a cidade de São Paulo, Preto Amaral foi absolvido na noite de ontem (21/9/2014) - foram 257 votos pela absolvição e 57 pela condenação.

O Salão Nobre da Faculdade de Direito de USP (Largo São Francisco) foi o palco do Júri Simulado sobre os crimes atribuídos em 1927 a Preto Amaral, retratado por alguns como o primeiro serial killer brasileiro.

Cerca de 560 pessoas compareceram ao evento, organizado em parceria pela Defensoria Pública de SP (através da Escola da Defensoria e de seu Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito), a Ouvidoria-Geral da Defensoria, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a Faculdade de Direito da USP e a Companhia de Teatro Pessoal do Faroeste - que já produziu uma peça baseada na história.

Profissionais com larga experiência em tribunais do júri estudaram o inquérito policial e reportagens da época para desempenharem com fidelidade os melhores argumentos de acusação e de defesa. Ao final, as pessoas presentes puderam votar pela culpa ou inocência de Preto Amaral, por meio de cédulas.

O julgamento simulado

O júri foi presidido pelo Juiz José Henrique Torres, que preside o Tribunal do Júri em Campinas. A acusação ficou a cargo de Carlos Roberto Talarico (Promotor de Justiça em SP) e Augusto de Arruda Botelho Neto (Advogado que fez o papel de Assistente de Acusação). A defesa foi feita por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (Advogado) e Renato Campos de Vitto (Defensor Público em SP).

A primeira testemunha a depor foi a senhora Jorgina, mãe de uma das vítimas (interpretada pela atriz Neusa Velasco). Lágrimas escorriam em seu rosto, enquanto ela demonstrava a dor de uma mãe que perdeu seu único filho de forma brutal. “Meu filho saiu de casa e nunca mais voltou. Levei uma fotografia dele para dar conta de seu desaparecimento. No dia 6 de janeiro, me chamaram para um reconhecimento, e as roupas eram do meu filho. Eu queria ver o corpo, mas disseram que não podia. Ele estava decomposto e tinha sido comido por bichos. Estou aqui pedindo Justiça. Quero que o senhor Amaral seja punido por esse crime. Era meu único filho – eu não tenho mais nada”.

A defesa lhe indagou se ela havia sido informada pela Polícia que o laudo necroscópico de seu filho não atestava nem estrangulamento, nem violência, como havia sido relatado a ela – a pergunta foi indeferida pelo Juiz Presidente.

A escritora Ilana Casoy é autora de livros sobre matadores em série e estudou as acusações feitas à época contra Preto Amaral – ela foi a segunda testemunha a ser ouvida. Para Ilana, “temos com bastante margem de certeza a culpa de Amaral”. Ela apontou que ele deve ser considerado o primeiro serial killer brasileiro, por suas vítimas terem o mesmo perfil e serem mortas sob o mesmo modus operandi. “Todos os meninos se parecem, seja pela idade, pela cor da pelé ou pelo trabalho. Ele oferecia comida, conversava e se aproximava desses meninos pobres. Depois, atraia elas para um lugar ermo. Quando estavam desacordadas, ele os agredia sexualmente”.

O Defensor Renato indagou sobre as comprovações de violência sexual. “Isso foi possível em apenas um único caso, quando o corpo foi achado logo após o crime. Nos outros, os corpos decompostos impediram qualquer análise”. A defesa indagou, ainda, sobre o fato de cada crime ter sido cometido a mais de 30km um do outro – corpos foram achados no Campo de Marte e na Estrada de São Miguel Paulista. “São locais distantes, mas são o mesmo tipo de local – ermo e abertos”.

A última testemunha a ser ouvida foi Paulo Fernando de Souza Campos, historiador que pesquisou as acusações contra Preto Amaral para sua tese de doutoramento. Ele buscou investigar como as acusações da época ocorreram sob técnicas que partiam de pressupostos racistas e eugênicos.

“Em 1927, o perito médico ainda era uma profissão em gestação. Essas técnicas eram fundamentadas nos pressupostos da eugenia ou do darwinismo social. Essa é uma questão importante. A técnica ainda era muito incipiente. Amaral foi preso como suspeito - e ele não foi o único. Outros homens foram presos, todos negros. Naquele contexto, entretanto, a mídia foi responsável por fabricar o monstro”. Ele apontou que à época as identificações dos criminosos eram feitas por antropometria e biotipologia. “A imprensa sempre trazia elogios à Polícia, que tentava demonstrar sua eficiência técnica”.

Antes do interrogatório de Preto Amaral (interpretado pelo ator Rogério Brito), o Juiz José Henrique advertiu à platéia de jurados que o acusado possui o direito de permanecer em silêncio e advertiu, expressamente, que o ditado “quem cala, consente” não tem lugar em um tribunal.

“Eu não conhecia esses meninos não, senhor. Eu vivia na pensão, senhor”, disse o réu, que se expressava com dificuldade e que para a maioria das perguntas respondeu: “não me alembro não, senhor”.

A acusação indagou Amaral sobre seu passado como oficial do Exército. O Promotor Talarico queria saber detalhes sobre ele atuou na Guerra de Canudos, em 1987, no interior da Bahia. “Lutei em Canudos, senhor. Colocavam a gente na frente das trincheiras, só os pretos, senhor”. A promotoria explicou que, conforme os relatos de Euclides da Cunha sobre a guerra, os combatentes da República costumavam ganhar “jaguncinhos” (filhos dos combatentes locais), após seus pais serem mortos. “O que o senhor fez com os seus jaguncinhos? O que o senhor fez com eles”, gritava a acusação. O Juiz interveio para indeferir as perguntas. Por fim, a acusação indagou a Amaral se ele já havia feito sexo com uma mesma mulher mais de uma vez. Após a pergunta ter sido refeita por três vezes, pela dificuldade do réu de entendê-la, ele explicou: “Já me deitei com mulher, senhor. Mas não de novo com a mesma”.

O Advogado Mariz indagou se Amaral sofreu tortura quando detido pela Polícia. “Os polícia batia muito, senhor”.

Após a oitiva de testemunhas e acusado, seguiram-se as manifestações finais de acusação e defesa: 30 minutos para cada parte, além de réplica e tréplica de 20 minutos cada.

A acusação defendeu que havia provas suficientes para a condenação. “Por que a polícia iria torturar ele? Por que, de tantos negros presos, apenas ele foi torturado e incriminado?”, indagou Arruda Botelho, advogado da assistência de acusação. Ele enfatizou que, durante sua confissão extra-judicial, Amaral teria admitido não apenas os três homicídios consumados, mas também uma tentativa desse crime contra um quarto menino: ele teria dito que, pensando que o garoto já estava morto, afastou-se de seu corpo, mas quando retornou descobriu que ele havia fugido.

A acusação, então, apontou que 24 horas depois dessa confissão da tentativa de homicídio, a Polícia localizou o garoto-vítima, que confirmou todas as acusações em detalhes. Um laudo pericial atestou que ele havia sofrido lesões de esganadura.

Mariz de Oliveira, em sua manifestação, disse que a sociedade à época “talvez não admitisse um crime assim praticado por um branco”. Ele criticou a cobertura da imprensa sobre o caso, “por criar sempre uma expectativa de culpa, nunca de inocência”. Para Mariz, “a imprensa teve um papel fundamental, porque em nenhum momento deixou em aberto a possibilidade de inocência de Amaral. E a teoria da raça superior aumentou o pedido pela culpa desse homem”.

Em sua réplica, a acusação negou que a suspeita sobre Amaral fosse racista. “O que está sob julgamento aqui são as ações desse homem, que por acaso é negro. Não é a raça negra que está em julgamento”, disse Talarico. “Ele é um facínora, que por acaso é negro” reiterou Arruda Botelho.

Renato de Vitto iniciou sua tréplica deitando-se ao chão, em uma típica saudação do candomblé. “Quando chegavam ao Brasil, os negros escondiam suas riquezas sob o chão da Igreja Católica, que era a religião apontada como correta pelos brancos”. Ele desmereceu o trabalho de perícia feito à época: “no final do laudo, um dos peritos diz que ‘por motivos alheios à nossa vontade, não pudemos necropsiar o acusado’.

Renato reiterou que não havia provas de necrofilia e que as acusações sequer davam conta de um matador de série: “Havia três vítimas distintas. Elas tinham 10, 17 e 27 anos! O rapaz de 27 anos era um operário, e não um menino!”. “Não há assinatura que ligue esses crimes”, disse, apontando que o local onde os corpos foram encontrados eram pontos ermos próximos da periferia da cidade. “Nada das vítimas foi encontrado com Preto Amaral, e sabe-se que serial killers costumam guardar esses troféus”.

Ao final, a platéia presente pôde votar: 257 votos pela absolvição e 57 pela condenação.


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6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Muito interessante essa história.
    Poxa, serial killer normalmente é branco,mesmo em épocas passadas.Acho que esse julgamento fajuto aí foi só pra dar força dessa modinha de hoje que tudo é racismo.Poderia soar como racismo ele ser considerado culpado.
    O cara foi reconhecido por 3 sobreviventes,por testemunhas oculares,levou a polícia aos corpos.O que mais precisaria pra ser considerado culpado?

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    1. Nesse caso eu acredito que José Amaral era de fato o assassino (minha opinião pessoal), porém sugiro ao amigo que leia o texto do link abaixo. Esse link fala de um caso de serial killer que foi "fabricado" pela polícia e pela "loucura" do próprio acusado...o que eu quero dizer é que: dados como localização dos corpos poderiam ter sido manipulados pelos policiais...principalmente naquela época onde métodos de investigação eram grosseiros e muito violentos...

      http://noitesinistra.blogspot.com.br/2013/12/thomas-quick-o-serial-killer-fabricado.html

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  3. É obvio que intensão desse julgamento de meia tijela foi de absolver o "réu" desde início. O que mais o Núcleo Especializado de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito intencionaria fazer? O que eles querem é distorcer a história, "absolvendo", todos os crimes praticados por pessoas negras, para poderem afirmar que não existe nenhum negro criminoso, só vitimazinhas inocentes. E que crimes são praticados exclusivamente por pessoas brancas. É essa esquerdalha jogando com as raças, colocando negro contra branco, maipulando e distorcendo. Se tem uma coisa realmente sinistra é como esses movimentozinhos de proteção aos "oprimidos" (dos oprimidos e não dos inocentes) atuam buscando manipular o pensamento da população: "Aí ele é negro, tadinho, num cometeu crime não, foi torturado, tadinho. Não sabia onde estavam os corpos não porque é negro, tadinho, negro num comete crime, os policiais é que devem ter induzido ele ao local dos corpos." São do "núcleo no combate ao racismo" mas são eles próprios tão racistas que não conseguem admitir quando um negro é serial killer!

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  4. TINHA QUE SER PRETO!

    MORTE PRA ESSA CAMBADA!

    420

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  5. Eu acredito na culpa dele porém a investigação precária da época deram margem pra atualmente as pessoas questionarem.A dúvida se mantem também pelo fato de que depois da prisão dele outros crimes considerados semelhantes terem sido cometidos.Enfim embora o julgamento tenha sido feito para inocentá-lo acho válido contar a história mesmo que distorcida para pessoas que não estudaram o caso(como eu rs) E que essas falhas nas investigações sirvam para a perícia evoluir,porque senão daqui há uns anos veremos novamente um julgamento desse porém com assassinos mais recentes.

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